25 de março: Dia Nacional do Oficial de Justiça

Segunda-feira, 25 de março de 2024


O Oficial de Justiça é uma das profissões mais antigas do Poder Judiciário, remontando tempos bíblicos. Também chamado longa manus, ou seja, a mão longa do Poder Judiciário, que a todos alcança (ou deveria alcançar) e responsável por fazer cumprir as ordens e decisões judiciais.

Hoje sabemos que nossa atividade não se resume a isso. O processo, antes de papel, hoje virtual, é inanimado. A vida que existe por trás dos autos não é vista e sentida nas salas climatizadas e seguras das varas e gabinetes.

É nosso o rosto do Poder Judiciário. É nossa a face que é levada para a vida do jusrisdicionado, que entra na casa das pessoas – aquela que é considerada reduto inviolável do cidadão.

Nenhuma definição da nossa função é mais distante da realidade que a máxima “entregar papel”. Dar ciência de uma determinação ou decisão, a uma pessoa leiga, vai além da entrega de documentos ou do envio de e-mail ou WhatsApp. Ao acionar o Oficial de Justiça, pretende o magistrado que a parte tenha conhecimento inequívoco do que está sendo determinado. E, para que possamos dar fé desse entendimento, há que se estabelecer uma relação de confiança com o jurisdicionado, o que não é possível com o envio em série de mensagens eletrônicas.

Corremos riscos inimagináveis, inclusive por nós.

Ao entrarmos em uma empresa ou residência, não sabemos se a parte possui ou não armas de fogo ou antecedentes criminais. Nas casas, sempre haverá facas. Nas oficinas, há toda uma gama de ferramentas que podem ser utilizadas contra nós. Nos escritórios, há o risco do cárcere privado. Nas ruas, roubos, sequestros, acidentes de trânsito, atropelamentos, perseguições. Na pandemia, o risco premente de contágio. Nas tormentas, as inundações, o granizo, a queda de fios e árvores.

E, para nós, mulheres, o ambiente social que sempre nos é hostil: o assédio, a violência sexual, que nos faz questionar, todos os dias, a adequação da roupa que vestimos, da cor do esmalte que usamos, do batom ou, até mesmo, da conveniência ou não de sorrir.

Nas ruas, sentimos o vento, a chuva, o calor e o frio. Tropeçamos, caímos, levantamos. Quebramos o pé. Fugimos de cachorros e pessoas. Fotografamos esquisitices e belezas. Consolamos familiares que perderam seus entes e não sabem o que é a “certidão atualizada de dependentes do INSS”. E, quando compreendem, não sabem para onde enviar, porque o mandado nem sempre traz as informações necessárias.

Quantas vezes a parte se socorre do nosso telefone ou WhatsApp – a qualquer hora do dia (útil ou não) ou da noite – para solicitar explicações, enviar documentos ou desabafar toda a sua inconformidade ou raiva?

Nosso patrimônio pessoal é utilizado em favor do nosso empregador. Nas secretarias e centrais, não há computadores e impressoras suficientes para nosso uso, o que faz com que utilizemos nosso computador pessoal e adquiramos os insumos para imprimirmos os mandados em casa.

Nosso veículo particular é utilizado no trabalho. A desvalorização é maior, pela alta quilometragem. O valor do seguro é mais alto. As revisões são mais frequentes. A troca de óleo e pneus, idem. Arcamos com os custos de pedágios, estacionamento, área azul (exceto Porto Alegre) e flanelinhas (inclusive Porto Alegre). E o reajuste da indenização nem sempre vêm.

Na hora da ira, nosso carro é alvo.

Em cidades pequenas ou quando permanecemos por muito tempo no mesmo setor, nosso carro é marcado.

Aprendemos a descobrir o valor do gado, da saca de arroz ou soja, do imóvel urbano ou rural. Da câmara frigorífica, do torno mecânico e da furadeira de bancada. Da esteira de colheitadeira ao pneu da bicicleta. Do arame farpado, da UTI neonatal e do aparelho de ultrassom. Do avião, da mesa de escritório em mdf ou da solda mig. Do caminhão tanque e boiadeiro, da cadeira do dentista, do quilo do gelo, da perfuratriz, do elevador, do freezer e da cafeteira.

Aprendemos a utilizar e interpretar ferramentas eletrônicas que desnudam, revelam o patrimônio dos devedores. Aprendemos a linguagem das ruas.

Ao longo dos milênios, tivemos que nos reinventar. A condução de testemunhas não se dá mais “sob vara”, mas sob pena de multa e apoio policial.

Claro que têm coisas que nunca mudam. Sofremos com a solidão e a permanente sensação de não-pertencimento. Com o desdém em relação ao nosso trabalho e o descrédito da nossa fé pública.

Mas, prezamos a flexibilidade da nossa jornada e a variedade da nossa playlist a tocar no carro. A mesmice de um trabalho sem rotina, de um texto que sempre é escrito do mesmo jeito. Gostamos do cheiro do vento, do verde, da chuva, da graxa. Precisamos sentir o pulsar da vida além das telas. Conhecemos as pessoas pelo endereço. Ouvimos histórias, recebemos bençãos e pragas. Sentimos o cheiro de comida das casas; da pobreza na periferia. Vemos a cor da doença e do abandono, nos asilos e hospitais. A pujança e a derrocada.

Estamos próximos de tudo o que é vivo e humano. E isso nos move.

Por Fabiana Cherubini
Presidente da Assojaf-RS

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